Conheça o bicampeão olímpico que está impulsionando o goleiro Gabriel Brazão no Santos

Rodrigo Matuck
São Paulo – SP
06/07/2025 05:00:53

Link da reportagem:
https://www.gazetaesportiva.com/especiais/preparador-de-sucessos/

Por trás de todo sucesso que Gabriel Brazão vem fazendo no Santos, há um responsável. Trata-se de Rogerio Maia. Talvez você nunca tenha ouvido falar no nome dele, mas o gaúcho de 51 anos tem papel fundamental no crescimento do arqueiro alvinegro.

Maia trabalha como preparador de goleiros do Peixe desde fevereiro de 2025, quando decidiu deixar o Flamengo para encarar um novo desafio na carreira e realizar um sonho.

“Foram dois anos de conquistas no Flamengo. Nunca tinha trabalhado em São Paulo. Queria vir um dia. Passavam muitos jogos do Santos na televisão quando eu era criança. Eu acompanhava o time. Depois, tive um amigo que jogou aqui também. Tinha o sonho de vir para São Paulo e surgiu o Santos, que eu sempre gostei de ver jogar. Foi um desafio e eu quis muito vir”, disse em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

“A cidade é fantástica. O clube espetacular, de tradição, que tem uma história de Pelé, uma história do futebol mundial. Muito feliz, realizado. Encontrei profissionais diferenciados, goleiros de altíssimo nível, de excelência, de Seleção. Isso fortalece minha escolha de vir”, acrescentou.

Rogerio Maia de Brum nasceu em Porto Alegre, em 1973, e se formou em Educação Física na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Sua vida no futebol começou como goleiro das equipes Taquariense e Encantado Esporte Clube, ambas do Rio Grande do Sul. Em 1996, contudo, pintou a oportunidade de ser preparador de goleiros das categorias de base do Internacional.

“Eu tive uma carreira muito curta como goleiro, foram apenas dois anos. Na época, já estudava Educação Física e surgiu a oportunidade de ser treinador de goleiros no Inter, um time com histórico de formação de goleiros. Comecei na base. Tinham poucas informações na época. Cada um tinha uma metodologia de treino própria, não havia tantas trocas de informações como hoje”, relembrou.

“Hoje há muito conteúdo e tecnologia à disposição, você acaba tendo muito mais informações. As mudanças de regras também contribuíram com a qualidade da formação do goleiro. A mudança do tempo com a bola nas mãos, o uso dos pés, o modelo tático das equipes mais compactadas… Acabou contribuindo muito na formação dos novos goleiros. Mudou muito desde que comecei”, ampliou.

Ao longo destes 29 anos de carreira, Rogerio trabalhou com diversos goleiros de ponta, como Júlio César (ex-Seleção Brasileira, Inter de Milão e Flamengo), Alisson (Liverpool), Weverton (Palmeiras), Everson (Atlético-MG) e Rossi (Flamengo). Hoje, entretanto, quem faz os olhos do profissional brilharem é Gabriel Brazão.

O arqueiro de 24 anos vem encantando o gaúcho, que não economiza nos elogios.

“O Brazão é um diferenciado no mercado. É um goleiro inteligente, extremamente rápido, que compreende o jogo e tem uma leitura de jogo espetacular. É corajoso, rápido, joga para a equipe e treina muito. Ele se dedica muito, se concentra. Ele estuda o material de jogo. É de altíssimo nível. Está dando uma ótima resposta quando é exigido. Outras equipes estão sendo muito exigidas também, mas outros goleiros não estão tendo a mesma capacidade de realizar as mesmas defesas. O Brazão tem essa capacidade. Foi eficiente, equilibrado e capaz. Vejo essa diferença. É um goleiro que foi atacado, mas desempenhou”, detalhou.

Contratado em fevereiro de 2024, Brazão assumiu a titularidade do Alvinegro Praiano em junho do mesmo ano, após a lesão de João Paulo. A partir de então, não perdeu mais a posição. Ao todo, já são 57 partidas, com 57 gols sofridos. Ou seja, uma média de um tento por compromisso.

Em recente estudo divulgado pelo Sofascore, o camisa 77 apareceu como o goleiro com mais defesas entre as 20 principais ligas do mundo em 2025.

“Brazão é o melhor do Brasil hoje. É um atleta que tem uma técnica apurada, que se cuida, é inteligente, rápido e moderno. Ele tem uma idade muito boa. Tem muitos anos pela frente. Vão acontecer muitas coisas boas no futuro. Acredito que ele vai ser convocado para a Seleção Brasileira”, opinou Maia.

Em meio ao sucesso, clubes do exterior já estão de olho em Gabriel Brazão. Existe, assim, a possibilidade de uma transferência no meio desta temporada. Caso isso ocorra, porém, Rogerio Maia entende que o Santos está com reposições à altura.

“João Paulo é um goleiro experiente, com mental muito forte e uma técnica bem desenvolvida. É um goleiro extremamente capacitado e ligado a todas as ações de um contra um, com muita eficiência. É muito técnico. Está preparadíssimo. Um goleiro top, que muitas equipes do Brasil gostariam de ter. O Santos hoje tem Brazão, João Paulo, Diógenes e o Fernandes”, analisou.

“A parte mental do atleta que não está jogando mexe um pouco. Porém, com os treinos do dia a dia, com as conversas e sabendo da importância deles desempenharem o seu melhor quando precisarem ir para o jogo, motiva muito. Mas a gente não treina apenas um goleiro. O Maia faz questão de treinar o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto goleiro do mesmo jeito. Isso os deixa muito motivados”, acrescentou Denis, auxiliar de Maia.

Denis e Rogerio Maia reunidos com Diógenes, João Paulo e Brazão em treino do Santos (Foto: Raul Baretta/Santos FC)

Pensando no futuro, as categorias de base também ganham um carinho especial. A comissão técnica do profissional vem realizando algumas reuniões com as categorias inferiores para alinhar a metodologia de trabalho. Desta forma, o clube entende que os goleiros podem ir ao time de cima mais preparados.

Hoje, Rogerio Maia e Denis veem nomes como Falcão, Pedro, João Pedro, Lucas, Henrique e Arthur com muito potencial para assumirem a meta alvinegra daqui a alguns anos.

“O Santos é um formador, está no DNA. Não há nada mais prazeroso para um profissional do que acompanhar a base e ver um menino que chega com 11 ou 13 anos poder estar no profissional do Santos. O Santos vai proporcionar isso caso haja talento, empenho, trabalho e dedicação. A oportunidade vai chegar. Vemos isso com bons olhos. Já estamos fazendo avaliações sobre quem pode subir ano que vem. O futebol feminino também é analisado. É um prazer para nós. Trabalhei com o Alisson, hoje do Liverpool, no Inter. Os dias passam muito rápido. Ele joga na sua equipe e, quando você vê, já está na Europa”, relatou Maia.

“Há uma integração muito grande com a base. O Maia vem fazendo esse trabalho. A cada semana, sobe um da base para treinar conosco. O Maia também assiste aos treinos e jogos da base. Alguns preparadores de goleiros também estão subindo para entender o trabalho que está sendo feito no profissional. De uma forma adaptativa, eles constroem lá na base”, completou Denis.

Preparador de ouro

Rogerio Maia chegou ao Santos com uma larga bagagem. Ele carrega experiências em clubes como Coritiba, Chapecoense, Vitória, Atlético-MG e Flamengo, além da Seleção Olímpica. Foi pelo Brasil, inclusive, que o profissional de 51 anos colecionou uma de suas melhores lembranças.

Em 2016, no Rio de Janeiro, a Amarelinha conquistou o seu primeiro ouro em Jogos Olímpicos. O título veio com emoção e com o dedo de Maia. Após empate de 1 a 1 com a Alemanha, a decisão foi para os pênaltis. Os anfitriões levaram a melhor, por 5 a 4, com Weverton defendendo uma batida.

Weverton defendendo a Seleção Brasileira nas Olimpíadas de 2026 (Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

O preparador de goleiros afirmou que ficou até de madrugada estudando os batedores alemães. O único a errar foi Nils Petersen, justamente o jogador mais analisado. O problema era que o atacante tinha um ótimo aproveitamento nas cobranças. Restou, assim, uma alternativa.

“É uma história que pouca gente sabe. Eu fiquei até umas duas horas da manhã estudando. A Alemanha só tinha três batedores de pênalti. O 7, o 11 e o 18, que era o Petersen, que eu não esqueço o nome, pois foi o único que não foi substituído. Ele tinha quatro pênaltis em cada lado. Eu vi de 30 a 40 vezes cada um. Eu queria entender o porquê ele batia de um lado e por que ele batia no outro. Para entender, tinha que ver o tempo de jogo, o placar, a postura corporal, a quantidade de passos, o olho em direção aos goleiros, o enquadramento em relação à bola, o jeito que arrumava a bola…”, relembrou.

“Depois, fui ver os movimentos dos goleiros que o enfrentaram, para gente direcioná-lo a bater da forma que queríamos, o que dava uma probabilidade de eliminar o 50/50. O Weverton teve essa leitura muito boa, teve o entendimento e conseguiu pegar o pênalti de um jogador que ainda não tinha perdido nenhum. Foi um trabalho bem detalhado. A decisão é do goleiro, ele vai decidir. Quando acabou o jogo, eu perguntei qual era a ideia dele e eu concordei. Ele fez a leitura certa. Foi um dos melhores momentos da carreira”, ampliou.

Quatro anos depois, Rogerio Maia voltou a ser decisivo, desta vez com o goleiro Santos. Na semifinal, a Seleção superou o México por 4 a 1 nos pênaltis, depois de empate de 0 a 0 no tempo normal.

“O Santos ficou três horas comigo estudando os pênaltis. Não é só estudar os pênaltis, é estudar a ordem dos batedores, as possíveis substituições, a sequência, as tentativas. Foi para os pênaltis contra o México na semifinal e já conseguimos nos classificar no terceiro pênalti. É muito compensatório”, relatou.

Como é a rotina?

Para tentar repetir o sucesso no Santos, existe um trabalho intenso nos bastidores. No dia a dia, há tanto treinos individuais, realizados apenas entre os jogadores da posição, quanto atividades integradas ao restante do elenco. Em cada um é trabalhado um quesito diferente.

“A comissão monta um microciclo, com trabalhos de finalização, jogos em espaço reduzido, questões táticas de bola parada, bola defensiva, questões táticas de jogo… Aí são questões de grupo. Ainda tem o trabalho individual técnico no campo. Dividimos bem as características, com trabalhos de reação, saída do gol, jogo de pé, coberturas e específicos técnicos”, relatou Rogerio Maia.

“Hoje, com as ferramentas que temos, nosso dever é buscar o máximo de informações e passar para eles. Muitas ações que acontecem no jogo já são pré-visualizadas. Por exemplo, sabemos que o Hulk chuta muito de fora da área, forte, então preparamos isso na semana. O Vitória, sabemos que vai ter muito cruzamento de segunda baliza, aí ajustamos o posicionamento e não se torna surpresa”, completou.

Atrelado a isso, tem um trabalho físico, liderado por Denis. Neste caso, a ideia é dar condições para que os arqueiros consigam antecipar lançamentos ou tenham mais impulso nos saltos, por exemplo.

“É outro trabalho muito importante, de força, físico e potência. Isso é para o jogador desempenhar bem essa condição de atleta, para poder sair bem do gol, fazer uma cobertura e chegar em uma bola mais esticada. Isso é fundamental. É desenvolvido na academia e no campo”, pontuou Maia.

A bola aérea, inclusive, é um ponto bem trabalhado pela comissão técnica, que faz um estudo detalhado dos rivais para aprimorar os treinos no CT Rei Pelé e, consequentemente, deixar os goleiros mais preparados na hora do jogo.

“O primeiro ponto da bola aérea é tempo de bola, com preenchimento de espaço e velocidade de passada. Posicionamento e entendimento de como joga o adversário. Se é uma bola mais rápida, longa, cruzamento direcionado para o meio da área, se tem jogada ensaiada… Sempre baseado nas ações do adversário, a gente cria ações de bola parada. Tem times que lançam já lá do meio de campo e outros que evitam. Vamos ajustando posicionamento e dando condições para trabalhar essa passada rápida e pegar a bola no ponto mais alto”, contou o profissional.

Hoje em dia, com as diversas mudanças táticas que o futebol atravessou, os goleiros precisam jogar cada vez mais com a bola nos pés. Com isso, cabe aos preparadores aperfeiçoarem o quesito. Cada partida, entretanto, pede uma estratégia.

“Primeiro é preciso ter domínio técnico. Segundo, teu jogo de pé vai depender muito da característica de pressão do adversário. Se pressionar pouco, vai ser um jogo de pé mais curto. Se pressionar muito, vai precisar de um jogo de pé médio ou longo. O domínio da técnica é fundamental para saber o tipo de jogo que o goleiro vai fazer, se passe por dentro, curto, longo ou médio. Às vezes também não dá para jogar curto e tem que fazer o simples. É preciso ter o curto e o longo”, destacou Maia.

Atenção máxima!

Os pênaltis também ganham uma atenção especial no trabalho dos preparadores de goleiros, claro. O fundamento é bastante trabalhado, especialmente quando o clube está envolvido em uma competição mata-mata.

Recentemente, o Santos passou por uma disputa de penalidades na Copa do Brasil. A equipe paulista acabou sendo eliminada para o CRB, em Maceió (AL), pela terceira fase. Brazão pegou um pênalti, mas enfrentou dificuldades nas cobranças por conta das substituições dos rivais, conforme revelou Rogerio Maia.

“A gente mapeia o adversário, faz uma interpretação da história dele. Nem sempre onde ele bate mais é o canto que ele pode bater naquele momento. Algumas vezes, como foi contra o CRB, aparecem batedores que nunca bateram na vida. Ai, é mais difícil. As substituições do CRB tiraram cinco batedores. Todos que iriam bater, que estavam acostumados e poderiam facilitar o estudo, saíram. Entraram jogadores que não têm histórico e ficam para a interpretação do atleta. Não tem um dado ou informação que te ajudam a estudar e te direcionar para um lado”, disse.

Apesar da derrota recente, o desempenho de Gabriel Brazão nos pênaltis está deixando Maia orgulhoso. No jogo de ida contra o CRB, o goleiro defendeu uma cobrança já nos acréscimos do segundo tempo e garantiu o empate de 1 a 1 na Vila Belmiro.

“É um fato muito interessante e positivo. O Brazão vem mantendo uma média muito interessante. A cada três penalidades, ele pega uma. E de cada cinco, quatro ele acerta o canto. É um percentual muito alto. Ele controla bem a ansiedade, tem muita potência, boa leitura do batedor e do contexto e estuda. Isso é determinante, vem ajudando muito o Brazão a ficar forte nesse quesito”, falou.

A questão mental também entra nas penalidades. A comissão técnica passa informações prévias e tenta manter a cabeça do goleiro o mais tranquila possível.

“Tem jogadores que, quando o árbitro apita, levam de 10 a 12 segundos para bater o pênalti. O goleiro fica muito ansioso. Quando passamos essa informação, o goleiro já está pronto e controla a ansiedade de não cair e sair antes”, revelou Rogerio.

“Vou falar uma polêmica. Quando o goleiro põe uma cola na garrafinha, é porque não estudou. O goleiro, quando vê o pênalti um dia antes, que visualizou a imagem do rival, o número da camisa e o perfil da batida, não precisa da colinha. Já está tudo memorizado, inclusive as tomadas de decisões que você vai ter. Eu até faço a cola e coloco em uma toalha, mas os goleiros falam para mim que não querem, pois já têm tudo na cabeça”, finalizou.

Com uma importante ajuda nos bastidores, portanto, Rogerio Maia tenta repetir, no Santos, o sucesso que obteve em outros clubes. Mais do que ver os goleiros brilharem, o gaúcho tem o desejo de ajudar este clube de tradição a voltar para o trilho das vitórias.